Aqui está um romance que inova na forma e preserva o que a literatura tem de mais poderoso: emoção e lirismo. Sua verdade conquista o leitor sem lançar mão de artifícios, discursos da moda. É pura literatura, sem concessões. Aline Bei sabe que "a cura não existe" e que a humanidade parece se especializar em produzir doenças. E tudo isso pesa demais, precisa ser sacudido, carece de benzeduras.
Da infância à idade madura, tudo pode se tornar um rosário de perdas. Muda-se de escola, de bairro, de trabalho, de amor e a caixinha de guardados acumula apenas ausência e dor, "eu/ quase nunca usava plural fora de casa", diz a protagonista, e qualquer de nós também pode dizer. E dizer em parágrafos escorreitos ou em versos de métrica perfeita ou em versos livres, tanto faz, creio eu, face a "o peso do pássaro morto". O "fraseado" solto e leve, escolhido por Bei, confere ao texto a elasticidade própria do viver, esse golpear constante de atos inesperados e incompreendidos.
Viver é ser alvo permanente. Violência na escola, violência contra a mulher, distanciamento entre pais e filhos, solidão na velhice, temas da contemporaneidade compõem a trama do romance sem, em momento algum, assumir tom de libelo, acontecem pois foi assim que se deu a história da amiga de Carla, da mãe de Lucas, da mulher apaixonada por Vento, essa história com a qual Aline Bei inicia sua carreira de escritora. Uma carta atirada por baixo de nossa porta, posto que jardim não mais temos.
Fechei o livro com aquela sensação maravilhosa de ter participado de uma experiência singular e emocionante. Não de querer mais, não, não. Pois lá estava tudo que a Autora teve a oferecer ali, principalmente as turvações. Um filho pode se tornar um completo estranho, sim. Um cão, animal estigmatizado por causar a perda e a dor mais profunda à protagonista, pode vir a ser, sim, um companheiro mais que amado. E o que é o amor, se não o combustível que permite viajar ao encontro do desconhecido?
O peso do pássaro morto, de Aline Bei, Editora Nós/SP, 2017
caramba que texto. muito obrigada, Carlos, pela sua leitura! um beijo!
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