Pois há céus em demasia e uma terra por sina.
Entre uns e outra, o caminho se abre a mortalha.
E gente tanta que a colheita não cessa.
Há o castigo e o imprevisto, culpados e inocentes, pouco importa.
O lugar, qualquer que seja, é passagem, entreposto.
Uma história assim, de um lugar e de um povo, na voz de um morto sem cabeça faz mais sentido.
Uma voz que se sustenta juvenil, curiosa e espantada, no tom mais afinado.
E assim, lugar e povo atravessam o tempo, entre céus e terra.
Sem desprezar os estragos de uma tromba d'água.
E aqueles outros estragos do aprisionamento da miséria e das revelações das janelas da riqueza.
E do cheiro das novidades.
Um lugar assim jamais desaparece do mapa. De nenhum mapa.
Talvez daí venha o primeiro valor desse romance de Franklin Carvalho.
Um lugar ali entre coração e memória, um buraco a se preencher com emoção.
Araci, Bom Jardim, Pasárgada, Antares, Brejo das Almas, esse lugar, nossa gente.
Céu é coisa fina, oposto do chão duro opressor.
"Disse certa vez que no céu poderíamos visitar o melhor dia de nossas vidas, no passado, brincar na melhor tarde de nossa infância, reencontrar os melhores amigos..[...] E podemos voar, ele disse isso aos meninos, sentado com eles na varanda, voar sobre a cidade de Araci ou sobre o mundo, ou nadar na areia sob os pés das pessoas, e nosso ouvido ouve tudo que acontece no universo...[...] No céu somos como Deus, e vemos a gema dentro do ovo."
Certo é que há muito brilho em "Céus e terra".
E uma consistência de verdade bem palpável, sim, sim, sim.
O menino Galego eu conheci. É possível reconhecê-lo por aí e alhures.
Esse nós explorado e confiante no sol que nasce, submetido e flagelado, de olhos abertos a tudo que faísca e penumbra, crente na tremeluz, na promessa de frescor e de aventura.
Alguém que adquire juízo por ter perdido a cabeça.
"Céus e Terra", de Franklin Carvalho, Editora Record, 2016, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura, categoria Romance. O Franklin é jornalista, natural de Araci, Bahia, e autor de um belo romance, cuja leitura indico com entusiasmo. Minha primeira leitura desse carnaval de 2018.
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