Mais um fragmento ferrantino, para conhecer melhor a escritora da Tetralogia Napolitana:
"O discurso a respeito daquilo que o senhor define como 'manter-se distante dos meios de comunicação de massa' é mais complicado. Acredito que, na raiz dessa questão, além dos traços de caráter que já mencionei, esteja um desejo um pouco neurótico de intangibilidade. Na minha experiência, o cansaço-prazer de escrever toca a todos os pontos do corpo. Quando o livro está terminado é como se tivéssemos sido revistados com intimidade excessiva e tudo o que desejamos é recuperar a distância, voltar à integridade. Descobri, publicando, que há certo alívio no fato de que, no momento em que se torna livro impresso, o texto vai para outro lugar. Antes, era ele que me cobrava; agora, caberia a mim correr atrás dele. Mas decidi não fazer isso. Quero ser capaz de pensar que, se meu livro entra no circuito das mercadorias, nada é capaz de me obrigar a fazer esse mesmo percurso. Mas talvez eu também queira ser capaz de acreditar, em certos momentos, ou mesmo sempre, que aquele 'meu' que atribuo ao livro é no fundo uma convenção, tanto que quem sentirá nojo ou entusiasmo acerca da história narrada não poderá - com uma transposição lógica equivocada - sentir nojo ou entusiasmo a meu respeito. Os velhos mitos sobre a inspiração talvez dissessem ao menos uma verdade: quando realizamos um trabalho criativo, somos habitados por outra pessoa, em certa medida, nos tornamos outra pessoa. Mas, quando paramos de escrever, voltamos a ser nós mesmos, a pessoa que comumente somos, nas ocupações, nos pensamentos, na linguagem. Por isso, agora eu sou eu de novo, permaneço aqui, faço minhas atividades cotidianas, não tenho nada a ver com o livro - ou melhor, entrei nele, mas agora não posso mais entrar. Nem, por outro lado, o livro pode voltar a entrar em mim. Só me resta, portanto proteger-me dos efeitos dele e é isso que tento fazer. Eu o escrevi para me libertar dele, não para permanecer prisioneira."
Trecho de uma carta não enviada, datada de 1995, endereçada a Goffredo Fofi, em resposta a questões por ele apresentadas à autora. Em "Frantumaglia", editora Intrínseca, tradução de Marcello Lino, 2017.
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